quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Livrarias Jesuítas no Rio de Janeiro: A Fazenda Santo Inácio dos Campos Novos

Queremos fazer aqui um agradecimento ao Professor Nireu Cavalcante (Uff) pela preciosa colaboração de nos indicar os inventários da Fazenda Campos Novos que se encontram nos arquivos do Museu do Ministério da Justiça.
O texto abaixo é um artigo do nobre professor publicado pela revista Educação em Linha, da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Ano III, Nº9, 2009.

O processo de Reforma (devassa) da Companhia de Jesus instituída pelo papa Bento XIV (31/03/1758), foi interpretado pelo rei D. José I como sinal para a expulsão dos inacianos de Portugal e seus domínios (03/09/1759).

Para a monarquia lusa a expulsão coibiria desmandos e até crimes de lesa-majestade praticados pelos inacianos entre 1750-59:resistência das Missões Guaranis em acatarem o Tratado de Madri, provocando invasão luso-espanhola e destruição das aldeias, em 1756; o comércio que praticavam sem pagar impostos e fiscalização de seus navios, devido a antigos privilégios; o livro do jesuíta Gabriel Malagrida, interpretando como castigo divino o grave terremoto de Lisboa, 1755, acusando de devassidão a Corte e o rei; e o atentado contra D.José I (03/09/1758), que vinha da casa da amante, esposa de um Távora, resultando em processo no qual foram indiciados o marido e seus familiares, como também outros nobres e alguns jesuítas.

De 1759, ano da expulsão dos jesuítas de Portugal e seus domínios, a 1773, quando o papa Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus (21/07/1773), Portugal e a Santa Sé tiveram interrompidas suas relações diplomáticas. Para os lusos a ação papal significou reconhecimento de que seus atos contra os jesuítas eram legais e por isso elas foram reatadas.

Dentre as ordens religiosas que atuavam na capitania do Rio de Janeiro – beneditinos,carmelitas, franciscanos e inacianos – os jesuítas foram os que mais acumularam riquezas, dominaram o ensino e receberam privilégios como: administrar as aldeias sob sua jurisdição sem a participação do governo, isenção de fiscalização em seus navios e direito de acessar qualquer porto brasileiro ou fora do império português. Assim, eles praticavam o comércio sem impostos, em condições favorecidas diante dos demais comerciantes.

Com 71 prédios para aluguel no Rio de Janeiro, a Companhia de Jesus possuía extensas propriedades com engenhos de açúcar, pecuária e variada agricultura e arrendava parte dessas terras a terceiros. Junto à cidade, possuía uma sesmaria com as fazendas de São Cristóvão,do Engenho Velho e do Engenho Novo; e, mais afastada, a fazenda de Santa Cruz, com 26,5 por 66 km. Em Niterói tinha a fazenda do Saco de São Francisco; em Macacu, a Papucaia; em Macaé, a de Santa Ana; em Campos dosGoytacazes, a de Santo Inácio do Colégio e, em Cabo Frio, a de Santo Inácio dos Campos Novos.

A maioria das aldeias da capitania fluminense era administrada por jesuítas: São Francisco Xavier de Itinga, em Mangaratiba;São Francisco Xavier, em Itaguaí; São Lourenço, em Niterói; São Barnabé, em Itaboraí e a de São Pedro, na atual São Pedro da Aldeia.

A Reforma da Companhia de Jesus no Rio de Janeiro coube ao bispo dom Antônio do Desterro, monge beneditino, que a realizou seguindo recomendações do breve papal e orientações do Patriarca de Lisboa Francisco Antônio Saldanha da Gama, portanto, sob normas da Igreja Católica à qual pertenciam os inacianos. Durante a devassa, alguns jesuítas abandonaram a ordem, ingressaram em outras, tornaram-se padres seculares, ou mesmo voltaram à vida laica. Os denunciados e em práticas irregulares comprovadas e os que optaram em permanecer na Companhia seriam presos e deportados para Lisboa, como ocorreu com 199 deles.

O processo estava em conclusão quando houve a expulsão dos jesuítas do império português e sequestro de seu patrimônio. Os bens teriam três destinos: os imóveis prediais e territoriais, incorporados à Coroa; as igrejas, capelas, alfaias, obras de arte e tudo o que fosse religioso iria para a Igreja secular e seu bispado; os escravos, animais, móveis, equipamentos, ferramentas das fazendas e engenhos seriam destinados aos pobres, hospitais e enfermarias, e obras assistenciais etc.

Houve ordem real sobre concurso para professores régios no Rio de Janeiro, encerrando a prática de o governo pagar bolsas aos colégios religiosos, principalmente jesuítas, para alunos pobres. Em 1760 realizou-se o primeiro concurso público para professores das Aulas Régias, isto é, escola pública e gratuita para meninos. A banca, presidida pelo desembargador João Alberto de Castelo Branco, era composta pelo professor, monge beneditino Antônio de São Bernardo, pelo padre secular Antônio Nunes Leal e pelo médico Francisco Correa Leal, selecionou 17 candidatos.

O ACERVO DAS LIVRARIAS

Os livros, mapas, cadernos e demais peças das livrarias (nome das antigas bibliotecas) formariam dois conjuntos: o dos livros proibidos, pelo catálogo dos livros defesos, elaborado pela Real Mesa Censória, iriam para Lisboa. Os demais formariam dois grupos: os de doutrina e disciplina eclesiástica seriam entregues ao bispo dom Antônio do Desterro para distribuí-los; e os de caráter geral, destinados a profissionais, segundo suas especialidades. O beneficiário especificaria seus dados e os livros e assinaria compromisso de conservar e tratá-los de forma que, se devolvidos, não estivessem estragados e impróprios para uso.

O ministro Francisco Xavier de Mendonça Furtado (24/1/1761) escreveu ao bispo D. Antônio do Desterro informando que inventariara alfaias e imagens jesuíticas e a livraria, colocando-as no depósito do Colégio, no morro do Castelo, para evitar roubos, principalmente dos livros, apesar de mantidas portas e janelas sempre fechadas. Lamentava-se o bispo que se perdesse “a maior e melhor livraria que tem esta cidade, por falta de quem manuseie os seus livros, que nesta terra logo se perdem, se não andam ao uso e expostos ao ar, porque se umedecem e se enchem de bichos”.

Quando o bispo confiscou a livraria, em 1760, registrou 6 mil volumes. Na segunda avaliação, no governo do marquês de Lavradio, em 1775, só havia 4.701 volumes e avaliados em 1 milhão, 152 mil e 590 réis, o valor de 15 escravos jovens. Os livros proibidos eram 64 títulos diversos, a maioria escrita por jesuítas.

A FAZENDA DE SANTO INÁCIO DOS CAMPOS NOVOS

As fazendas do interior fluminense só foram vendidas após a extinção da Companhia de Jesus (1773) e alcançaram valores muito baixos, segundo o vice-rei, Conde de Resende: a de Campos de Goytacazes arrematada por Joaquim Vicente dos Reis, 187.953$130 réis; a de Santa Ana de Macaé, 31.330$023 réis, por Gonçalo Marques de Oliveira; a de Papucaia, por Nicolau Bonarrota, por 21.600$000 réis e a de Campos Novos, por Manoel Pereira Gonçalves, por 24.518$428 réis.

Da livraria da fazenda dos Campos Novos, em 1759, mesmo não sendo uma unidade agrícola do porte da fazenda do Colégio, em Campos dos Goytacazes, foram listados 66 títulos diferentes, entre os quais seis eram proibidos. Do total listado nove eram manuscritos versando sobre “Medicina”, “Modo para assistir aos doentes e aos agonizantes”, “Modo para aparelhar pano ou madeira para pintura”. Caso sejam encontrados será rica fonte de pesquisa sobre essas práticas na fazenda.Também o livro de “Visitas da fazenda de Santo Inácio” é precioso registro das pessoas que passaram por ela. Quem sabe estes manuscritos estejam entre os documentos do arquivo da Mitra?

A avaliação feita em 1775 pelo juiz de fora Jorge Boto Machado Cardoso, nomeado pela Junta da Real Fazenda, registrou: “oitenta e seis volumes entre grandes e pequenos de vários autores, de imprensa e manuscrito, comidos do cupim, avaliados todos em dezoito mil réis”. Uma ninharia!

(Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda – RJ, anotação 85.20.49)

NIREU CAVALCANTI

Arquiteto e Historiador

Professor da Pós-Graduação da Escola de Arquitetura

e Urbanismo/UFF

Um comentário:

  1. É impressionante como a história do Brasil é mal contada. Os desmandos dos tais religiosos escravizando e obtendo lucros com os engenhos é de revoltar. Parece quer incutiram no DNA deo brasileiro a corrupção e o saque do estado até hoje. Joel Robinson

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