segunda-feira, 23 de maio de 2016

TAMOIOS; A CONSTITUIÇÃO DO DISTRITO DE CABO FRIO

Venho me debruçando há alguns anos nas minhas pesquisas a uma questão; o isolamento político-social do Distrito de Tamoios em ralação ao 1º Distrito de Cabo Frio. Esse "problema" surgiu há alguns anos em meio a uma série de leituras bibliográficas e de fontes primárias que eu buscava para responder outras perguntas. Desde que iniciei minhas pesquisas me perguntava sobre o desconhecimento dos moradores do centro de Cabo Frio sobre o Tamoios. Percebi que o 2º Distrito mal aparecia na vida social dos citadinos, não aparecia nos jornais, nos programas locais, blogs, redes sociais, e muito pouco nos discursos políticos. Me surpreendia sempre que entrava em uma repartição pública e perguntava aos servidores se conheciam a Fazenda Campos Novos, a resposta geralmente era não, alguns diziam que sabiam da sua existência, mas não conheciam pessoalmente. Uma fez coloquei o nome da Fazenda no Google e tudo que apareceu foi um texto do Márcio Werneck que escreveu um texto sobre ela nos anos de 1980.

Me lembro de há uns anos ter perguntado ao Warley, filho de Wolney Teixeira, fotógrafo que eternizou diversas imagens da cidade em preto e branco, se seu pai teria fotografado a Fazenda Campos Novos. Inicialmente me disse que não lembrava de ter visto qualquer foto da Fazenda, mas disse que pesquisaria e me falaria depois, alguns dias depois me confirmou que não havia fotos de lá, perguntei se ele sabia porque seu pai não fotografou a Fazenda, ele me disse que não fazia ideia. Fiquei me perguntando como um fotógrafo como Wolney não fotografou a Campos Novos? Se a Fazenda era um estabelecimento tão especial assim, como nunca chamou a atenção do fotógrafo? E por que os ricos donos da Fazenda não o convidou para fotografar seus festejos, cerimônias e comemorações? As missas na capela da Fazenda no dia 31 de julho em celebração a Santo Inácio de Loyola quem registrou esses momentos tão sagrados?

Foi a partir dai que me dei conta que esse isolamento era histórico, o povo do 1º Distrito pouco sabia o que acontecia do outro lado canal, mas por que? Não existe uma resposta simples para essa questão. Em primeiro lugar é preciso voltar a um passado mais longínquo e verificar como o município se constituiu. Cabo Frio ao longo dos séculos XVII, XVIII e até os meados do XIX era uma enorme região abrangendo os atuais municípios de Saquarema, Araruama, São Pedro da Aldeia, Armação dos Búzios, e Arraial do Cabo. A maioria dessas freguesias só se emanciparam ao longo da segunda metade do século XIX. Para se ter uma ideia em 1911 Cabo Frio tinha a seguinte formação administrativa; Cabo Frio e Araçá. Em 1924 foram criados os distritos de Arraial do Cabo e Saco Fora anexados ao município de Cabo Frio. Em 1938 o distrito de Saco Fora passou a chamar-se de Armação do Búzios e o distrito de Araçá passou a ser chamado de Campos Novos. Em 1943 o distrito de Campos Novos recebeu o nome de Tamoios e Cabo Frio passou a ser constituído de quatro distritos; Cabo Frio, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo e Tamoios. O atual 2º distrito, portanto, foi por muitos anos o 4º distrito. Mas isso explicaria o isolamento? Eu diria que apenas em parte, uma vez que os distritos de Arraial e Búzios eram de certa forma prioridade na administração publica. 

A região de Tamoios só passou a ser valorizada do ponto de vista da urbanização após a construção da Rodovia 106, entre 1945 e 1950, tornando-se a segunda maior rodovia do Estado do Rio de Janeiro e que recebeu o nome do governador responsável pela obra, Amaral Peixoto. O distrito de Tamoios se desenvolveu, portanto, com pouquíssimas relações com o distrito central, a Fazenda Campos Novos foi durante dois séculos, junto com Aldeia dos Índios de São Pedro, o centro da vida social de uma comunidade que se alastrou até a reta da barra do rio São João que se unia ao desenvolvimento que vinha de Macaé. O desenvolvimento da região deu-se assim, com um grande isolamento entre Tamoios e o 1º Distrito, ao longo do século XIX e XX as terras são ocupadas por trabalhadores rurais, muitos vindo de Campos dos Goitacases e da região metropolitana do Rio de Janeiro. A população que começa a se formar na região, desta forma, não é identificada com a elite que mora e governa a cidade.

Ao analisar a documentação da Câmara dos Vereadores entre os anos de 1940 e 1960, por exemplo, esse isolamento fica muito claro, uma vez que o distrito de Tamoios não aparece nas discussões da casa. A grande maioria dos debates entre os vereadores giram em torno dos aforamentos de terras (doações de terras públicas), das disputas partidárias, dos conflitos entre executivo e legislativo e da salvaguarda dos bons costumes, da lei e da ordem pública. Não é possível observar um projeto de desenvolvimento abrangendo todos os distritos, com exceções encontrei um vereador queixando-se do abandono neste ou naquele distrito. Esses distritos acabaram assim crescendo conforme a vontade dos seus coronéis locais. 

Tamoios, me parece só começou a receber atenção após a lei de 1997 que aumentou a participação dos royalties de petróleo aos municípios para 5%, ainda assim, Tamoios continuou por anos aquém do projeto de desenvolvimento urbano de Cabo Frio e ainda é. A região que teve boa parte de suas terras (que outrora pertenceram a Fazenda Campos Novos) desapropriadas pelo INCRA para fins de reforma agrária, viu a especulação imobiliária promover um crescimento desordenado, sem infraestrutura bairros e mais bairros foram surgindo com o mínimo de planejamento. A situação de abandono do distrito serviu de justificativa para um projeto emancipador, o futuro do atual 2º distrito ainda é incerto.

Jonatas Carvalho 
Pesquisador CNPq e historiador na Fazenda Campos Novos.