quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Livrarias Jesuítas no Rio de Janeiro: A Fazenda Santo Inácio dos Campos Novos

Queremos fazer aqui um agradecimento ao Professor Nireu Cavalcante (Uff) pela preciosa colaboração de nos indicar os inventários da Fazenda Campos Novos que se encontram nos arquivos do Museu do Ministério da Justiça.
O texto abaixo é um artigo do nobre professor publicado pela revista Educação em Linha, da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Ano III, Nº9, 2009.

O processo de Reforma (devassa) da Companhia de Jesus instituída pelo papa Bento XIV (31/03/1758), foi interpretado pelo rei D. José I como sinal para a expulsão dos inacianos de Portugal e seus domínios (03/09/1759).

Para a monarquia lusa a expulsão coibiria desmandos e até crimes de lesa-majestade praticados pelos inacianos entre 1750-59:resistência das Missões Guaranis em acatarem o Tratado de Madri, provocando invasão luso-espanhola e destruição das aldeias, em 1756; o comércio que praticavam sem pagar impostos e fiscalização de seus navios, devido a antigos privilégios; o livro do jesuíta Gabriel Malagrida, interpretando como castigo divino o grave terremoto de Lisboa, 1755, acusando de devassidão a Corte e o rei; e o atentado contra D.José I (03/09/1758), que vinha da casa da amante, esposa de um Távora, resultando em processo no qual foram indiciados o marido e seus familiares, como também outros nobres e alguns jesuítas.

De 1759, ano da expulsão dos jesuítas de Portugal e seus domínios, a 1773, quando o papa Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus (21/07/1773), Portugal e a Santa Sé tiveram interrompidas suas relações diplomáticas. Para os lusos a ação papal significou reconhecimento de que seus atos contra os jesuítas eram legais e por isso elas foram reatadas.

Dentre as ordens religiosas que atuavam na capitania do Rio de Janeiro – beneditinos,carmelitas, franciscanos e inacianos – os jesuítas foram os que mais acumularam riquezas, dominaram o ensino e receberam privilégios como: administrar as aldeias sob sua jurisdição sem a participação do governo, isenção de fiscalização em seus navios e direito de acessar qualquer porto brasileiro ou fora do império português. Assim, eles praticavam o comércio sem impostos, em condições favorecidas diante dos demais comerciantes.

Com 71 prédios para aluguel no Rio de Janeiro, a Companhia de Jesus possuía extensas propriedades com engenhos de açúcar, pecuária e variada agricultura e arrendava parte dessas terras a terceiros. Junto à cidade, possuía uma sesmaria com as fazendas de São Cristóvão,do Engenho Velho e do Engenho Novo; e, mais afastada, a fazenda de Santa Cruz, com 26,5 por 66 km. Em Niterói tinha a fazenda do Saco de São Francisco; em Macacu, a Papucaia; em Macaé, a de Santa Ana; em Campos dosGoytacazes, a de Santo Inácio do Colégio e, em Cabo Frio, a de Santo Inácio dos Campos Novos.

A maioria das aldeias da capitania fluminense era administrada por jesuítas: São Francisco Xavier de Itinga, em Mangaratiba;São Francisco Xavier, em Itaguaí; São Lourenço, em Niterói; São Barnabé, em Itaboraí e a de São Pedro, na atual São Pedro da Aldeia.

A Reforma da Companhia de Jesus no Rio de Janeiro coube ao bispo dom Antônio do Desterro, monge beneditino, que a realizou seguindo recomendações do breve papal e orientações do Patriarca de Lisboa Francisco Antônio Saldanha da Gama, portanto, sob normas da Igreja Católica à qual pertenciam os inacianos. Durante a devassa, alguns jesuítas abandonaram a ordem, ingressaram em outras, tornaram-se padres seculares, ou mesmo voltaram à vida laica. Os denunciados e em práticas irregulares comprovadas e os que optaram em permanecer na Companhia seriam presos e deportados para Lisboa, como ocorreu com 199 deles.

O processo estava em conclusão quando houve a expulsão dos jesuítas do império português e sequestro de seu patrimônio. Os bens teriam três destinos: os imóveis prediais e territoriais, incorporados à Coroa; as igrejas, capelas, alfaias, obras de arte e tudo o que fosse religioso iria para a Igreja secular e seu bispado; os escravos, animais, móveis, equipamentos, ferramentas das fazendas e engenhos seriam destinados aos pobres, hospitais e enfermarias, e obras assistenciais etc.

Houve ordem real sobre concurso para professores régios no Rio de Janeiro, encerrando a prática de o governo pagar bolsas aos colégios religiosos, principalmente jesuítas, para alunos pobres. Em 1760 realizou-se o primeiro concurso público para professores das Aulas Régias, isto é, escola pública e gratuita para meninos. A banca, presidida pelo desembargador João Alberto de Castelo Branco, era composta pelo professor, monge beneditino Antônio de São Bernardo, pelo padre secular Antônio Nunes Leal e pelo médico Francisco Correa Leal, selecionou 17 candidatos.

O ACERVO DAS LIVRARIAS

Os livros, mapas, cadernos e demais peças das livrarias (nome das antigas bibliotecas) formariam dois conjuntos: o dos livros proibidos, pelo catálogo dos livros defesos, elaborado pela Real Mesa Censória, iriam para Lisboa. Os demais formariam dois grupos: os de doutrina e disciplina eclesiástica seriam entregues ao bispo dom Antônio do Desterro para distribuí-los; e os de caráter geral, destinados a profissionais, segundo suas especialidades. O beneficiário especificaria seus dados e os livros e assinaria compromisso de conservar e tratá-los de forma que, se devolvidos, não estivessem estragados e impróprios para uso.

O ministro Francisco Xavier de Mendonça Furtado (24/1/1761) escreveu ao bispo D. Antônio do Desterro informando que inventariara alfaias e imagens jesuíticas e a livraria, colocando-as no depósito do Colégio, no morro do Castelo, para evitar roubos, principalmente dos livros, apesar de mantidas portas e janelas sempre fechadas. Lamentava-se o bispo que se perdesse “a maior e melhor livraria que tem esta cidade, por falta de quem manuseie os seus livros, que nesta terra logo se perdem, se não andam ao uso e expostos ao ar, porque se umedecem e se enchem de bichos”.

Quando o bispo confiscou a livraria, em 1760, registrou 6 mil volumes. Na segunda avaliação, no governo do marquês de Lavradio, em 1775, só havia 4.701 volumes e avaliados em 1 milhão, 152 mil e 590 réis, o valor de 15 escravos jovens. Os livros proibidos eram 64 títulos diversos, a maioria escrita por jesuítas.

A FAZENDA DE SANTO INÁCIO DOS CAMPOS NOVOS

As fazendas do interior fluminense só foram vendidas após a extinção da Companhia de Jesus (1773) e alcançaram valores muito baixos, segundo o vice-rei, Conde de Resende: a de Campos de Goytacazes arrematada por Joaquim Vicente dos Reis, 187.953$130 réis; a de Santa Ana de Macaé, 31.330$023 réis, por Gonçalo Marques de Oliveira; a de Papucaia, por Nicolau Bonarrota, por 21.600$000 réis e a de Campos Novos, por Manoel Pereira Gonçalves, por 24.518$428 réis.

Da livraria da fazenda dos Campos Novos, em 1759, mesmo não sendo uma unidade agrícola do porte da fazenda do Colégio, em Campos dos Goytacazes, foram listados 66 títulos diferentes, entre os quais seis eram proibidos. Do total listado nove eram manuscritos versando sobre “Medicina”, “Modo para assistir aos doentes e aos agonizantes”, “Modo para aparelhar pano ou madeira para pintura”. Caso sejam encontrados será rica fonte de pesquisa sobre essas práticas na fazenda.Também o livro de “Visitas da fazenda de Santo Inácio” é precioso registro das pessoas que passaram por ela. Quem sabe estes manuscritos estejam entre os documentos do arquivo da Mitra?

A avaliação feita em 1775 pelo juiz de fora Jorge Boto Machado Cardoso, nomeado pela Junta da Real Fazenda, registrou: “oitenta e seis volumes entre grandes e pequenos de vários autores, de imprensa e manuscrito, comidos do cupim, avaliados todos em dezoito mil réis”. Uma ninharia!

(Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda – RJ, anotação 85.20.49)

NIREU CAVALCANTI

Arquiteto e Historiador

Professor da Pós-Graduação da Escola de Arquitetura

e Urbanismo/UFF

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Localizados os Inventários da Fazenda Campos Novos

Gostaríamos de prestar nossos agradecimentos a Professora Márcia Amantino que localizou os documentos e gentilmente nos entregou as imagens.

Os documentos do século XVIII estão guardados no Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro. Um dos inventários foi feito por ordem da coroa portuguesa por ocasião da expulsão da Cia. de Jesus em 1759, o outro fora realizado em 1775 quando a mesma foi arrematada por Manoel Pereira Gonçalves.
Os documentos tem por objetivo descrever todos os itens pertecentes a Fazenda Campos Novos, o que incluia escravos, objetos internos e externos, animais, objetos religiosos que constavem na Capela de Santo Inácio e outros.
Posteriormente iremos postar que itens eram estes.... aguardem.

Re-Fazendo Campos Novos




O Projeto Re-Fazendo Campos Novos poderia ser classificado numa perspectiva filosófica existencialista sartrereana, onde a existência precede a essência. Isto porque, para compreender o quanto essencial é a Fazenda Campos Novos para o Município de Cabo Frio, Região dos Lagos, Estado do Rio de Janeiro, República Brasileira e o mundo globalizado, é necessário percorrer mais de três séculos de sua existência.
Existência esta, que perpassa a história de nosso país, desde o Brasil Império, quando a área onde hoje está Campos Novos foi uma sesmaria entregue nas mãos da Cia de Jesus, até os processos de desapropriação de terras pelo INCRA nos anos 80, provenientes da política de reforma agrária.
A existência da Fazenda Campos Novos, logo, está vinculada diretamente a história social, econômica e cultural do país. Recuperar a existência da Fazenda Campos Novos, significa preservar a memória da história regional, que envolvem o homem pré-colombiano, a história indigenista, a história escravagista, a história natural, a história ruralista e tantas outras. Significa abrir nossas portas para expor ao mundo, nossos sambaquis, quilombolas além é claro, expor ao mundo a arquitetura colonial jesuítica dos fins do século XVII que é a sede da Fazenda Campos Novos.
O Projeto Re-Fazendo Campos Novos, busca recuperar antes de tudo, esta existência histórica que ainda hoje pode ser encontrada nos livros ou nas vozes, daqueles que de uma forma ou de outra, participaram seja como atores ou expectadores desta história. Campos Novos não é importante apenas no âmbito nacional, mas sua história se entrelaça a história das ciências, naturalistas como o inglês Charles Darwin e o francês Sant-Hilaire por lá coletaram espécies que serviram em suas pesquisas.
Por tudo isso, o Projeto Re-Fazendo Campos Novos é um convite a valorização e resgate de nossa história, nossa cultura e nossa memória. O que não significa transformá-la num mausoléu, antes, o que se pretende é dar a Campos Novos o florescer de outrora, isto é, transformar a Fazenda em um verdadeiro celeiro cultural, em um dos pontos turísticos mais importantes da Região das Baixadas Litorâneas, fazer dela, um modelo de gestão de projetos que envolvem empresas da sociedade civil e estatais, organizações do terceiro setor e governamentais. Transformá-la em um projeto viável, sustentável, capaz de agregar e difundir valores.

Jonatas Carlos de Carvalho.

Texto sobre Campos Novos por Márcio Werneck


Autor: Márcio Werneck da Cunha

Título: A História da Fazenda Campos Novos

Indicação Bibliográfica: Artigo publicado no jornal o Canal em 19/03/94 e 29/04/1994

Localização: Artigo encontrado no arquivo de recortes da Biblioteca Pública Municipal de Cabo Frio “Prof.Walter Nogueira”.

Data da 1ªedição: artigo publicado em dois dias: 19/03/1994 e 29/04/1994.

Informação sobre a edição: O artigo foi publicado um ano depois da desapropriação da sede da fazenda e adjacências, feita pelo governo municipal de Cabo Frio.

Recorte de jornal

Histórico da Fazenda Campos Novos: “Imóvel construído pela Companhia de Jesus, cujo início do estabelecimento remonta a um curral de gado levantado em c.1690. Situa-se no distrito de Tamoios, Cabo Frio (RJ), entre os municípios de São Pedro e Casemiro de Abreu, numa elevação a cavaleiro da planície pantanosa dos rios Una e São João, junto ao caminho colonial que ligava Campos dos Goitacazes ao Rio de Janeiro (atual RJ-104).

Em 1623, após as fundações da Cidade de Cabo Frio(1615) a de Aldeia dos índios de São Pedro (1617), os jesuítas receberam duas grandes doações de terras na região- as sesmarias do Rio Una e de Búzios. Entre as quais deveriam escolher uma. (...)

No mesmo ano também beneditinos receberam uma quadra na Cidade e uma sesmaria rural- situada próxima a terra dos jesuítas no Rio Una.

A princípio, a companhia fingiu desconhecer a obrigação da escolha: os índios de São Pedro, sob orientação espiritual e administrativa dos jesuítas, tanto roçavam e pescavam em Búzios quanto freqüentavam as terras do Rio Una.(...)

(...)Neste tempo alguns comerciantes do Rio de Janeiro acusaram os jesuítas da derrubada de florestas do Rio Una, com o objetivo de abrigarem pastos para gados e traficarem pau-brasil com franceses na Bahia Formosa.

Quando os frades de São Bento construíram um curral de gado próximo ao Rio Uma, a resposta dos jesuítas foi violenta: armaram bandidos que incendiaram a benfeitoria e a sede da fazenda beneditina, localizada junto a área em discussão. No final do século XVII, após prolongadas disputas judiciais e até mesmo uma ameaça de excomunhão aos autores do crime, os jesuítas desistiram da posse de Búzios e tornaram-se proprietários das terras do Rio Una(...)

Neste final do século XVII, a criação de gado desenvolvida na fazenda dos jesuítas nos Campos dos Goitacazes, começou a dar bons resultados (...) esses religiosos planejaram estabelecer uma fazenda de criação de gado na mesma planície, com o mesmo objetivo da sua empresa no norte fluminense. E que também possivelmente servisse como ‘invernada’ para descanso e engorda das boiadas campistas, a fim de que pudessem chegar com maior peso e valor no principal centro de consumo do sudeste brasileiro.

Presume-se que o assentamento da fazenda teve início pela queimada e derrubada das florestas próximas ao Rio Uma, que cederam lugar aos campos plantados com gramíneas para pastagem de gado, simultaneamente. (...) Ainda em 1690, os jesuítas levantaram a Residência e a Igreja de Santo Inácio, batizando a propriedade como Fazenda Campos Novos para diferenciá-la da similar campista.(...)

(...) Em 1756, os jesuítas foram acusados de atividades revolucionárias na América portuguesa e espanhola. O processo de acusação contra os religiosos da Aldeia de Índios de São Pedro e da Fazenda Campos Novos (...) referia-se a roubos, falta de religiosidade e até um atentado sexual. A propriedade foi confiscada pelo governo português, rebatizada como ‘Fazenda d’El Rey’ e, em 1759, colocada em hasta pública e arrematada pelo fazendeiro Manoel Pereira Gonçalves.(...)

(...) Supõe-se que após a independência a Fazenda Campos Novos foi vendida pelo Governo imperial e deixou de pertencer ao patrimônio público, embora, uma tradição oral afirme que sua escritura era de Santo Inácio, ficando encravada nos pés da imagem e que alguém a roubou, daí começando a grilagem das terras. Até meados do século XIX, o estabelecimento rural mais importante de Cabo Frio, embora decadente, manteve o prestígio anterior, comprovado pelas referências que se encontram nos livros de viajantes naturalistas como Darwin, Lucoock e Saint-Hilaire. Na fazenda também almoçou e descansou D.Pedro II (e sua comitiva) vindo de Campos a caminho da cidade de Cabo Frio em 1847, quando foi recebido com vivas de saudação pelo povo e por girândolas que subiram ao ar, encomendadas por seu proprietário, Reverendo Joaquim Gonçalves Porto.(...)

(...) Na metade do século XX, durante a administração do Sr.Eugênio Arnoud, a Fazenda Campos Novos deixou de realizar a tradicional Festa de Santo Inácio, (...) comprovando a decadência econômica da propriedade. Na década de 50, (...) o poder passou às mãos do Sr. Antônio Paterno, conhecido como Marquês. Ele começou a lotear a fazenda, pela Reta da Barra, distribuiu terras a grileiros, expandiu a criação de gado e propôs acordo com os antigos lavradores para permanecerem em Campos Novos, dado que pagassem renda mensal.

O ajuste foi fraudado pelo próprio marquês: obrigou a alguns lavradores a assinarem papel em branco, para depois escrever que desistiram da posse das terras.(...)

(...) O Marquês prosseguiu pressionando os outros moradores para que assinassem o papel em branco. Como não se curvaram foram colocados sb a mira de armas de fogo e presos por um choque de polícia de Cabo Frio. Ao saírem da cadeia, se reuniram em associação e decidiram não pagar mais a renda ao Marquês. Segundo D. Rosa, ‘Não brigamos mas não entregamos a terra. Trabalhamos em grupo para evitar seqüestros.’ (...)

(...) Os lavradores unidos constituíram advogado, Dr. Edílson Duarte, depositaram a renda reclamada pelo Marquês em juízo e requereram que o suposto dono das terras apresentasse o documento da propriedade comprovando titularidade. Como a obrigação legal não foi comprida, o juiz devolveu o depósito aos lavradores, que permanecerem na Fazenda Campos Novos.” (1ªparte)

“No início dos anos 60, a Companhia Agrícola Campos Novos, empresa supostamente proprietária da fazenda, ainda sob administração do Marquês, vendeu 500 alqueires geométricos à Destilaria Medellín S.A. correspondendo a 25% da sua área total. Tratava-se das terras denominadas Bahia Formosa, Fazendinha e Emerências, em Búzios, distrito de Cabo Frio. Tempos depois, o Sr.Henrique da Cunha Bueno comprou estas propriedades e vem tentando expulsar os colonos por meios violentos, desde a década de 70.

Foi também no início dos anos 60, que o Marquês contratou o temido ‘Chico Goaquica’ para chefe dos jagunços e ampliou a distribuição de terras a grileiros, com o objetivo de expulsar os posseiros. A resposta dos lavradores foi fundar o Sindicato de Trabalhadores Rurais e empunhar a bandeira de Reforma agrária em 1961. (...)

(...)o Marquês entrou com ação de reintegração de posse na justiça(...) Grileiros, jagunços e policiais, em nome da revolução anti-comunista (...) desencadearam uma onda de violência que implantou o terror na área rural. Perseguições, roubos, atentados, prisões, espancamentos e intimações aos lavradores e suas famílias tornaram-se permanentes. O sindicato foi fechado (...)

(...) Em 1967, os lavradores ganharam liminar de posse e permaneceram e permaneceram em suas terras. A vitória durou pouco tempo: em 1968, o Ato Institucional nº5, da ditadura militar, suspendeu as garantias individuais e estabeleceu a censura. Mais uma vez, em nome da revolução anti-comunista, os supostos donos da Fazenda Campos Novos incentivaram grileiros, jagunços e policiais a expulsar os lavradores. (...)

(...) Entre o final da década de 60 e o início dos anos 70, a tensão manteve-se elevada na Fazenda Campos Novos, (...) Grande parte dos lavradores foi expulsa das terras que ocupava e o restante, com a fome e a miséria, foi ficando e perdendo o medo, mas continuou impedida de plantar pela violência reinante.(...)

(...) Apenas duas lideranças urbanas emergentes se posicionaram a favor da luta dos lavradores: o Padre Aldo, da Paróquia de São Pedro da Aldeia e o vereador José Bonifácio Ferreira Novellino, da Câmara Municipal de Cabo Frio.

O Sr.Jamil Miziara sucedeu ao Marquês na direção da Cia Agrícola Campos Novos. O suposto proprietário da empresa contratou Manoel Jatobá para ser o chefe dos jagunços (...) desencadearam nova onda de violência contra os lavradores. (...) os novos grileiros, tal qual os antigos, sem interesse pela lavoura, passaram a usar a terra como pastagem de gado e para especulação imobiliária.. (...)

(...) O Sr. Jamil Miziara, depois de obter isenção de impostos e taxas municipais, começou a lotear a Fazenda Campos Novos durante o governo do Prefeito Antônio Castro, entre 1972 e 1976. (...)

(...) Em 1982, durante a presidência do General Figueiredo, as terras da Fazendas Campos Novos foram desapropriadas para reforma agrária (...) O INCRA – Instituto Nacional de Reforma Agrária, presente de forma eventual na área desapropriada, passou a dar títulos provisórios de propriedade, sem valor jurídico, tanto aos antigos lavradores quanto aos grileiros, o que só fez aumentar a confusa situação legal e incentivar nova invasão das terras (...)

(...) Agravando ainda mais a exclusão social dos lavradores, o Sr. Jamil Miziara proibiu a realização de enterros no Cemitério da Fazenda Campos Novos- transformando em curral de porcos-, e abandonou o uso religioso da Igraja Santo Inácio- transformada em galinheiro.

No final dos anos 80, o Sr. Sebastião Lan – Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cabo Frio – revelou-se uma liderança emergente na região, ao modificar a estratégia de luta adotada até então, isto é, passando a considerar como adversários dos lavradores não só o suposto proprietário da Cia Agrícola Campos Novos, mas, também inventariando e denunciando os grileiros que se apossaram de terras da fazenda, com ou sem autorização do Sr.Jamil Mizziara (...)

(...) Em 1988, no dia anterior à sua partida para Brasília, onde teria reuniões com importantes autoridades ligadas a questão agrária, Sebastão Lan (...) sofreu atentado à bala na Rodovia Amaral Peixoto e os jagunços teriam roubado os documentos comprometedores (...)

A justiça indiciou o Sr. Jamil Miziara como mandante do assassinato, sendo que ‘Zé Florzinha’ e outros jagunços foram denunciados como executores do crime. A denúncia contra o fazendeiro acabou arquivada, mas os pistoleiros foram condenados à prisão. (...) O clima de terror novamente se instalou na área rural de Cabo Frio.

Em 1993, pouco depois da posse do Prefeito José Bonifácio Ferreira Novellino, a nova administração municipal desapropriu a Fazenda Campos Novos, compreendendo a sede do imóvel, a Igrja de Santo Inácio, o cemitério anexo e demais benfeitorias situadas na elevação, além da planície no seu entorno que se estende até a margem direita do Rio Una. (...)

(...) a Prefeitura de Cabo frio instalou a Secretaria Municipal de Agricultura e a Abastecimento e a Emater na sede da Fazenda, (...) O salão principal da sede passou a abrigar a Biblioteca do Araçá – primeira coleção pública pública de livros no distrito rural de Cabo frio, núcleo inicial do futuro Centro Cultural de Tamoios, sob a responsabilidade da Secretaria de Educação e Cultura (...)

(...) o Prefeito comprometeu-se em restaurar a Igreja de Santo Inácio e entregá-la à comunidade em 1994.” (2ª parte).

Fazendas de Café e açúcar: A Fazenda Campos Novos cultivou café e açúcar. Seguem dois trechos transcritos do artigo sobre o assunto:

“Os fazendeiros exigiam novos braços escravos para substituição da cana-de-açúcar pela cultura do café- em alta no mercado internacional- e que se expandia pela planície litorânea e pelos primeiros contratadores da serra fluminense. “ (1ªparte).

“Os fazendeiros continuaram a exigir novos braços escravos para atender a retomada da agro-indústria açucareira, que introduziu usinas a vapor no norte fluminense, e ao vigoroso reflorescimento da cultura cafeeira na serra. A decadência da monocultura do café na planície litorânea na planície litorânea estagnou muitas fazendas de Cabo Frio, a ponto de faltar farinha de mandioca para consumo e obrigando sua importação do Rio de Janeiro, para atender ao clamor público.” (1ªparte).

Outros (Agrisa, desmatamento): “No final da década de 70, as terras da fazenda Campos Novos que se situam próximas ao limite municipal Cabo Frio-Araruama e ao Rio São João foram vendidas à Agrisa S.A. que instalou uma fábrica para produção de álcool amídrico no Distrito de Tamoios, em Cabo Frio. A Agrisa passou a se utilizar de mão-de-obra temporária para plantação e corte da cana-de-açúcar, o que incentivou correntes migratórias campistas e aumentou a favelização da Cidade de Cabo Frio. Desde sua inauguração até hoje, há denúncias constantes sobre o emprego de trabalho escravo nesta unidade industrial.

A maioria das matas da zona rural foi derrubada e substituída pela cana-de açúcar, transformando em letra morta o decreto estadual que preserva as manchas florestais abundantes em pau-brasil e a lei municipal que protegia as formações arbóreas no entorno dos sítios arqueológicos pré-históricos. Diariamente partiam caminhões lotados transportando lenha para as usinas e olarias do norte fluminense. Multiplicaram-se também, os grandes fornos de barro que produziam carvão vegetal para abastecimento de Cabo Frio e outros municípios vizinhos. O IBDF- Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal avalisou, por omissão, a grande derrubada da cobertura vegetal remanescente desta planície litorânea. Completava-se assim, o ciclo de devastação das florestas da Fazenda campos Novos que teve início com o asfaltamento da Rodovia Amaral Peixoto no final dos anos 40 e achava-se quase concluído após a introdução da cana-de-açúcar no final dos anos 70. ” (1ªparte).

Outras fazendas e outras atividades produtivas: “Em 1722, os jesuítas venderam parte da Fazenda Macaé e investiram na melhoria de Campos Novos. Sob orientação do Reitor Padre Luiz de Carvalho, saneou-se parte da planície pantanosa e construiu-se canal com uma légua de comprimento, que exportava toros de madeira-de-lei e a grande produção de uma agricultura diversificada para o Rio de Janeiro, em especial, através de lanchas pela barra do Rio Una. É provável que o investimento na ampliação da produção agropecuária, se justificasse pelo abastecimento de gêneros alimentícios à recém-inaugurada Armação de Baleias de Búzios e pela grande demanda de carne às múltiplas lavras de ouro nas Minas Gerais, neste período.

Um relatório da Companhia de Jesus em 1741, registrou que a fazenda ‘ainda não tinha chegado a última perfeição, mas nos seus vastíssimos campos poderiam pastar mais de 20.000 cabeças de gado’.” (1ªparte).

“O antigo latifúndio dos jesuítas media três léguas de testada pelo mar por três léguas em quadra pelo sertão e havia reduzido suas atividades agropecuária em função do esgotamento das lavras minerais, no final do século XVIII, embora continuasse a exportar farinha de mandioca e madeira-de-lei (vinhático, araúba, cedro, cerejeira, canela, copaíba, pinhoã, sapucaia, peroba, guarabú, maçaranduba, ipê, arco-de-pipa, sucupira, jequiá, pau de ferro, pau-brasil, etc.).” (1ªparte).

“No início da década de 80, foram terminados os trabalhos de saneamento da planície do Rio São João, feitos pelo DNOGS- Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, que se estenderam por quase 50 anos e cujo beneficiado principal foi o latifúndio improdutivo de Campos Novos. Neste período a Fazenda da Pedra - pertencente à antiga propriedade dos jesuítas – foi comprada pelo Sr.Osaná e passou a produzir arroz com alto rendimento por hectare. O novo fazendeiro mandou fechar a Estrada da Linha, antigo caminho que acompanhava os fios do telégrafo, impedindo o escoamento dos produtos agrícolas do interior de Tamoios por meio da destruição de duas pontes e da colocação de jagunços armados nessa via secular.” (1ªparte).

Campesinato negro: “Em 1889 (data errada no artigo! Parênteses meu), a Lei Áurea aboliu a escravidão no Brasil. A Fazenda Campos Novos adaptou-se à nova situação econômica-social transformando a maioria das áreas cultiváveis em pasto para gado e incentivando muitos libertos a permanecerem nas áreas do Gargoá, Boca da Vala, Botafogo e Caveiras, como lavradores de mandioca. Segundo o depoimento de uma desendente destes negros bantos, D.Rosa Geralda da Silveira, ‘todos ficaram livres, mas fazendo um trabalho escravo’, embora depois alguns conseguiram fugir dos ‘supostos donos da fazenda Sr.Sílvio e Sr.Fritz’.

Presume-se que outros libertos da Campos Novos e das demais propriedades rurais da região, sem ter para onde ir, à semelhança da ocupação da Abissínia pelos ex-escravos da Cidade de Cabo Frio, se apossaram de terras na Praia da Rasa, e em Búzios, e começaram a povoação do mesmo nome – cuja origem era explicitada, anteriormente, por hipóteses fantasiosas relativas à existência de quilombos ou ao naufrágio de navio negreiro.” (1ªparte)

“Assim, os lavradores da Boca da Vala e do Gargoá, tiveram que ir embora, pressionados pelos jagunços e grileiros, enquanto os moradores de Botafogo e Caveiras permaneceram trabalhando e pagando a renda para o marquês. Segundo D.Rosa, tratava-se da continuação do ‘trabalho escravo, pois eram vigiados por capatazes e tinham horário para tudo, não podendo nunca ser desrespeitada uma ordem.’” (1ªparte)

Memória da Escravidão: “Ainda em 1690, os jesuítas levantaram a Residência e a Igreja de Santo Inácio, batizando a propriedade como Fazenda Campos Novos para diferenciá-la da similar campista. Logo o negócio mostrou-se promissor: 1500 cabeças de gado eram criados e guardados por apenas dois escravos africanos” (1ªparte).

“Embora as acusações contra os jesuítas nunca se comprovassem, a memória do povo continuou a lembrar da riqueza que desfrutavam, se comparada à extrema indigência dos escravos que lhes serviam e à pobreza das populações vizinhas. Uma tradição oral recolhida no distrito de Tamoios Cabo Frio, relata que, momentos antes da prisão, os jesuítas de campos Novos, com ajuda de dois escravos, enterraram uma imagem de Santo Inácio de ouro para escondê-la de seus captores e mataram os auxiliares negros, a fim de não revelarem o sítio do tesouro. Outra tradição refere-se aos perigos e à violência da época dos jesuítas; haveria um túnel que saía da igreja e ia até o curral, para fugas de emergência.”(1ªparte).

“Entre meados do século XVIII e XIX, há notícias intermitentes sobre fugas de escravos e a existência de quilombos em Cabo Frio, é possível que, parte destes redutos de liberdade negra, se abrigassem nas florestas e pântanos situados nos confins da Fazenda Campos Novos.” (1ªparte).

Memória do Tráfico: “A repressão ao tráfico legal de escravos africanos executada por navios ingleses na costa brasileira a partir da Independência, multiplicou os portos clandestinos de desembarque desse comércio infame na região sudeste. Os fazendeiros exigiam novos braços escravos para substituição da cana-de-açúcar pela cultura do café- em alta no mercado internacional- e que se expandia pela planície litorânea e pelos primeiros contratadores da serra fluminense. “ (1ªparte).

A Fazenda Campos Novos, favorecida pela proximidade dos portos clandestinos da Baía Formosa e de Búzios, como muitas propriedades rurais de Cabo frio, derrubou florestas e plantou café. Mas, em 1856, teve que enfrentar uma epidemia de cólera construindo enfermaria para doentes, provavelmente, trazida pelos africanos desembarcados por navio negreiro.

A proibição imperial ao tráfico transatlântico de escravos em 1860 (a data está errada no artigo! Parênteses meu), embora aumentasse o patrulhamento naval na região sudeste brasileira, consolidou os portos clandestinos de desembarque de africanos na província do Rio de Janeiro (e em Cabo Frio)” (1ªparte)

“Mas não faltaram africanos: os portos clandestinos da praia de José Gonçalves, em Búzios, e do ‘desembarque’, na Rasa, junto à ponta do Pai Vitório mantiveram-se ativos. Presume-se que, a recuperação física dos rigores enfrentados durante a navegação, o transporte terrestre e a venda final dos escravos não seriam possíveis sem a intermediação da vizinha Fazenda Campos Novos.” (1ªparte).

Festas: “Na metade do século XX, durante a administração do Sr. Eugênio Arnoud, a Fazenda Campos Novos deixou de realizar a tradicional Festa de Santo Inácio que reunia os moradores do Distrito de Tamoios, comprovando a decadência econômica da propriedade.” (1 ª parte)

“Em julho de 1993, voltou a se realizar a tradicional Festa de Santo Inácio, com maciça presença de participantes da redondeza e atraindo público de outras localidades, sendo promovida missa campal e espetáculos artísticos, entre outras atrações. Durante a festividade, o Prefeito comprometeu-se em restaurar a Igreja de Santo Inácio e entregá-la à comunidade em 1994.” (2ªparte)

Região descrita: a área da antiga Fazenda Campos Novos que no passado compreendia Cabo frio, Búzios e São Pedro da Aldeia.

Período da descrição: História da fazenda do século XVII até o século XX.

Fontes: O autor cita algumas, mas sem precisá-las muito bem. São elas: um relatório da Companhia de Jesus de 1741, “a memória do povo”, o prestígio da fazenda comprovado nas referências em livros de naturalistas como Darwin, Luccfok (assim está escrito no artigo) e Saint-Hilaire. Depoimento de uma “descendente destes negros bantos”, D.Rosa Geralda da Silveira. São citados o IBDF, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal e o Departamento de Obras Contra as Secas

Há quatro ilustrações: Como é um xerox, as ilustrações não têm uma boa qualidade. A primeira é uma vista parcial da sede da Fazenda Campos Novos, tendo em primeiro plano a Igreja de Santo Inácio. A segunda é do prédio da Fazenda Campos Novos, com a Igreja de Santo Inácio ao fundo. A terceira é da Igreja de Santo Inácio e a última é igual a terceira, mas em tamanho menor.

Comentários: Vale a pena ler quem estiver interessado em saber como ocorreram as disputas de terras na região. Além das informações regionais sobre a escravidão, o tráfico e o pós-abolição.

História das Fazenda Campos Novos

Carlos Engemann

Marcia Amantino

Embora a sesmaria tenha sido doada aos padres inacianos em 1630, eles só começaram a levantar a fazenda no final do século. Provavelmente a fazenda surgiu de queimadas para facilitar a derrubada da mata nativa e dar lugar a gramíneas que serviriam de pastagem e a chamaram-na de Campos Novos para diferenciá-la da fazenda de Campos dos Goitacazes. A igreja estabelecida no local foi consagrada a Santo Inácio, militar espanhol canonizado em 1622 e fundador da Companhia de Jesus. Esta possuía um altar central e nele estava colocada a imagem do dileto fundador, cuja lenda reza guardou a carta deixada pelos jesuítas doando a fazenda aos moradores locais. Nos altares laterais estavam colocadas as imagens de Nossa Senhora da Conceição com o menino Jesus, de São José e de outros santos ou santas. Além dos crucifixos, objetos sagrados e de uma “pia batismal de pedra mármore movediça”, também havia grande quantidade de roupas para as imagens e para os celebrantes dos ofícios religiosos, bem como várias toalhas, alfaias sagradas e cortinas de tecidos e cores variadas. [1]

Do ponto de vista econômico, sua produção, como era peculiar às fazendas jesuíticas, era voltada principalmente para a criação de gado e alimentos. Mas também havia uma grande exploração econômica de madeiras, retiradas de suas matas e enviadas para o Rio de Janeiro. Em 1707 a fazenda possuía cerca de 1.500 cabeças de gado e em meados deste mesmo século este número não havia sofrido considerável mudança. Em 1721, o padre Antonio Cardozo, prepósito da província do Brasil, estava em Lisboa e foi intimado a prestar algumas informações sobre as questões fundiárias nesta região. Por suas informações fica-se sabendo que de acordo com o padre, as terras de campos Novos eram “alagadiças e inúteis na maior parte para a lavoura”.[2]

No entanto, a Ordem era dotada de espírito empreendedor e de vários membros com elevado grau de conhecimento técnico em várias áreas do conhecimento, como a hidráulica, por exemplo. Talvez pela experiência obtida em Santa Cruz, uma outra fazenda de terras alagadiças e não muito distante de Campos Novos, onde foram feitas várias obras de drenagem e contenção de fluxos de água, os padres estavam aptos a mudar a situação da propriedade. Alguns anos depois, iniciaram obras de drenagem de lagoas e abriu-se um canal para escoar a produção da fazenda, tal como em Santa Cruz. Em 1726, o governador do Rio de janeiro, Luiz Vaía Monteiro apresentava esta obra feita pelos inacianos como um modelo a ser seguido em uma situação parecida na cidade carioca.[3]

De acordo com Serafim Leite, citando informação prestada por algum jesuíta que esteve na fazenda, em 1741 ela ainda “não tinha chegado a última perfeição, mas nos seus vastíssimos campos poderiam pastar mais de 20.000 cabeças de gado.” [4] Estas previsões otimistas nunca chegaram a se concretizar. Em 1759, quando se encerra a fase jesuítica da fazenda, havia 1367 cabeças de gado e 19 gansos distribuídos em nove currais. Alguns anos depois, em 1775 houve uma sensível diminuição: havia apenas 1159 cabeças de gado distribuídas por oito currais. [5]

A história da fazenda de Campos Novos está intimamente ligada à história da ordem jesuíta no Brasil, desse modo, um dos grandes marcos na história da fazenda é dado quando a política pombalina de eliminação dos inacianos tem seu êxito. No ano de 1759, Pombal decretou a expulsão dos jesuítas de todo o Império português e o subseqüente seqüestro dos seus bens. De fato, este seria o primeiro passo no caminho da extinção total da ordem. Uma vez que os jesuítas foram forçados a abandonar suas posses, houve a necessidade de que elas passassem por um processo de inventário e avaliação, a fim de determinar quanto a Coroa poderia auferir com a venda destas em leilão.

A sesmaria onde foi estabelecida a fazenda de Campos Novos foi descrita nesse processo como tendo “de testada quatro léguas e meia principiando a mesma no sítio chamado de Genipapo partindo da parte do Norte com os moradores da baía Formosa, do Sul com as terras da aldeia dos índios de São Pedro e da do Norte correndo rumo ao Nordeste por costa do mesmo mar até a praia do Rio de São João e do Poente com o sertão até intestar nas terras de Bacaxá...”. Assim, foi delimitada a área pelo Juiz de Fora, Jorge Boto Machado Cardoso, um dos responsáveis pelo inventário destas terras e fazenda no ano de 1775.

Cada braça de terra foi avaliada em quinhentos réis e sua avaliação final foi da ordem de seis contos, setecentos e cinqüenta mil reis. No dia 13 de outubro de 1778 as terras e tudo mais que pertencia à fazenda foi arrematado pelo negociante que vivia na Praia de Dom Manuel, na cidade do Rio de Janeiro, Manoel Pereira Gonçalves, por 24:518$420 (vinte quatro contos, quinhentos e dezoito mil e quatrocentos e vinte reis). Estavam incluídos na transação os imóveis, as ferramentas, o gado, as plantações e os cativos. [6]

Existe pouca documentação disponível sobre esta fazenda e sobre seu cotidiano. Depois de Serafim Leite, que realizou uma gigantesca análise sobre as atividades econômicas dos jesuítas no Brasil buscando demonstrar que os bens materiais pertencentes à Ordem eram essenciais para a manutenção do projeto catequético e, portanto, colonial, a maior parte dos autores que de uma forma ou outra tratou sobre estas terras o fizeram com base em seus escritos. Se sobre o período em que a fazenda foi administrada pelos jesuítas há uma escassa documentação, a situação muda um pouco quando se busca conhecê-la no período posterior a expulsão dos religiosos. Com a ordem expulsa, realizado o confisco de todos os bens e elaborada a série de documentos para averiguar quais seriam estes bens, a partir de 1759 tem início a produção de alguns documentos que permitem inferir – pelo menos em parte- como era o cotidiano nesta e em outras fazendas que pertenciam aos inacianos. Tratam-se dos inventários e autos de seqüestros.

Através destes inventários é possível identificar uma série de características das propriedades e de sua mão-de-obra. As terras foram medidas e avaliadas de acordo com a qualidade, o tamanho e a produção agrícola e animal que eram capazes de gerar. Além disto, entraram nos inventários e nas avaliações, as ferrarias, as carpintarias, os materiais de cobre e prata, as casas de vivendas, as casas de caldeira e de purgar, as casas de fazer aguardente, enfim, qualquer serventia que fosse encontrada. As avaliações das fazendas e dos engenhos dependeram muito das condições em que estavam as terras, a produção, os bens e os cativos. Os bens das igrejas foram listados na maior parte das vezes, mas não entraram no cômputo geral dos inventários porque segundo as normas, tais bens pertenciam ao povo que utilizava a igreja.

Para esta fazenda em especial, há dois inventários. Um foi feito imediatamente após a ordem de expulsão. O documento é datado de 22 de novembro de 1759 e o segundo conjunto documental é de 30 de junho de 1775. Há, portanto, um espaço de 12 anos entre um e outro. Tempo suficiente para que algumas mudanças pudessem ser sentidas na fazenda.

Tabela n. 1 – Famílias cativas da fazenda de Campos Novos

Tipologia

1759

1775

Famílias Nucleares

38 (65%)

59 (73,5%)

Viúvas

15 (26%)

11 (14%)

Viúvos

5 (9%)

2 (2,5%)

Famílias com 3 gerações

0

2 (2,5%)

Famílias só com a mãe

0

6 (7,55%)

Totais

58 (100%)

80 (100%)

Um dos quesitos de maior destaque nestes inventários, e o de Campos Novos não foge a regra, é a questão da escravaria. Os cativos são sempre apresentados formando famílias nucleares. Cada indivíduo recebe um valor de acordo com suas características físicas, idade, sexo, ocupação ou aptidão. Na fazenda Campos Novos em 1759 havia 188 escravos. Destes, 92 eram do sexo masculino (48,94%) e 96 (51,06%) eram do sexo feminino. Este total de menos de 200 escravos estava distribuído em 50 senzalas, dando uma média de menos de quatro cativos por senzala.

No inventário de 1775, estes números são um pouco diferentes. No espaço de 12 anos entre um inventário e outro nasceram cerca de 11 a 12 crianças anualmente. O número total de cativos havia subido para 323 cativos: 150 homens (46,44%) e 173 mulheres (53,56%), distribuídos por 53 senzalas cobertas de palha velha. Estas mudanças na população elevaram a média de moradores para pouco mais de seis por senzala. Parece que, além da moradia, a saída dos religiosos interferiu na organização das famílias. Em primeiro lugar, os casais continuaram tendo seus filhos, mesmo que não soubessem exatamente o que iria acontecer com suas vidas.

Mas mais do que isso, a organização familiar tornou-se mais complexa, apareceram no inventário duas famílias com mais de duas gerações e encontram-se seis mulheres que Estavam a criar seus rebentos sozinhas, algo que não apareceu no primeiro inventário. Todavia, destas, três casos eram de pais que haviam fugido e estavam na cidade ou em quilombos na região. Os outros três casos os pais não puderam ser identificados, mas em todos as crianças eram menores de 10 anos. Portanto, já nasceram sem a presença dos jesuítas.

O percentual de viúvos caiu para menos de um terço e o de viúvas reduziu quase pela metade, o que significa que as segundas núpcias estavam sendo mais efetuadas. Ao se comparar o que se viu na vida dos escravos de Campos Novos com o que se sucedeu aos cativos da fazenda de São Cristóvão, que foram todos vendidos em praça pública no Rio de Janeiro e suas famílias, destroçadas, parece que os escravos de Campos Novos preferiram acreditar que continuariam na fazenda assim como os escravos de Santa Cruz ou da fazenda mais próxima, de Santa Anna de Macaé que seria vendida apenas no ano seguinte.

Comparando os dois inventários, é possível perceber alguns dados interessantes com relação à formação destas famílias cativas e também os limites deste tipo de fonte. Um exemplo claro disto é a própria organização dos dados. No inventário de 1759 as famílias foram arroladas na seguinte ordem: primeiro, os casais, depois os viúvos seguidos das viúvas. Os rapazes de serviço e as raparigas vieram depois e foram seguidos pelas crianças masculinas e as femininas. No caso das crianças houve a preocupação em listar um de seus pais. Ao cruzar com a listagem dos casais, pode-se formar as famílias. Entretanto, no caso das raparigas e dos rapazes não há como relacionar todos com os casais. Apenas alguns nomes puderam ser identificados como filhos ou filhas destes.

No inventário de 1775, as famílias foram arroladas juntas. Isto facilitou a percepção sobre sua organização. Pelos dados do inventário de 1759 não é possível afirmar que não houvesse casos de famílias com três gerações, mas isto somente fica muito claro no seguinte. Por ele, identifica-se que em algumas famílias começaram a nascer crianças sem que as mães fossem legalmente casadas e sem que o nome do pai aparecesse de alguma forma. Este é o caso da família de Manoel Trindade casado com Barbara Vieira, uma escrava aleijada do braço esquerdo. O casal possuía oito filhos com idades variando de vinte e cinco anos a uma criança de peito. A filha mais velha, Andreza aparece listada com duas crianças. Uma de cinco anos e outra de dois anos e meio. Pode ser que fossem frutos de uma relação não oficial, uma vez que os padres já não estavam na fazenda.

Seja como for, podem ter sido esta a primeira comunidade de habitantes a ocupar as terras da fazenda Campos Novos, sob o olhar vigilante de seus proprietários. Comunidade esta, da qual sobraram apenas os centenários moradores Gabriel Pereira Damasceno e Normária Martins de Souza.[7] Certamente Gabriel e Normária trabalharam para um dos últimos donos da fazenda, Eugène Honold, que veio da Alemanha, na primeira metade do século XX, para plantar bananas em Campos Novos, ou ainda para Antônio Paterno, conhecido como marquês, responsável pelo desmantelamento da propriedade no início da segunda metade do século XX.[8] Possivelmente Gabriel foi um dos que foram enganados pelo tal marquês, com a promessa de um acordo para permanecer em Campos Novos, em troca de um pagamento mensal, e acabou assinando um papel em branco. Se assim o foi, também foi beneficiada pela ação do advogado Edílson Duarte que os defendeu, aconselhando a depositarem em juízo o valor mensal acordado, que posteriormente foi devolvido, já que Antônio Paterno não pôde apresentar o titulo de propriedade do lugar. Numa outra tentativa, já nos anos 1960, por meio da Companhia Agrícola Campos Novos, Antônio Paterno vendeu cerca de 25% da extensão territorial total da fazenda à Destilaria Medellín S.A. É provável, ainda que Gabriel e Normária tenham visto o Sindicato de Trabalhadores Rurais, ou até participado dele. Criado pelos lavradores nesta mesma época, para combater os jagunços contratados por Antônio para expulsá-los da fazenda, empunhando placas com slogans como “na lei ou na marra!”, como fizeram as ligas camponesas nesta mesma época.

Este casal, que testemunhou os últimos cem anos de história da fazenda, assistiram o recrudescimento dos conflitos, com envolvimento de empresas, jagunços, policiais e da lua anti-comunista, sobre a qual pouco saberiam dizer. Até que, no governo de João Batista de Oliveira Figueiredo, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) expropriou, sem muito sucesso, a fazenda com fins de reforma agrária. Por último, assistiram uma segunda desapropriação pela prefeitura de Cabo Frio, que transformou a sua sede em Secretaria Municipal de Agricultura e a Abastecimento.


[1] Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda. Documentos relativos à fazenda Campos Novos e Campos dos Goitacazes. Códice: 85.20.49.

[2] Lamego, Alberto. Macaé a luz de documentos inéditos. In: Anuário Geográfico do Estado do Rio de Janeiro, IBGE , n.11, 1958, p. 31.

[3] LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo IV. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, 1945. p.93.

[4] Idem

[5] Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda. Documentos relativos à fazenda Campos Novos e Campos dos Goitacazes. Códice: 85.20.49.

[6] Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda. Documentos relativos à fazenda Campos Novos e Campos dos Goitacazes. Códice: 85.20.49

[7] Estes moradores foram apresentados pelo jornal on line Búzios News em sua página http://www.buziosnews.com.br/gabriel.htm (acesso em 31/01/2010 às 12:58h)

[8] CUNHA, Márcio Werneck da. A História da Fazenda Campos Novos, Artigo publicado no jornal o Canal em 19/03/94 e 29/04/1994.

Carlos Engemann e Márcia Amantino são professores do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira.