segunda-feira, 29 de junho de 2015

A lenda do Santo Ignácio de ouro.


O ano era de 1759, o Sr. Sebastião José de Carvalho e Mello, também conhecido como Marquês de Pombal, era novo manda chuva do império, havia determinado, à expulsão dos jesuítas de todo território Português, incluindo suas colônias e protetorados. Todos os bens da Cia de Jesus foram sequestrados pela Coroa, aldeias, fazendas, igrejas e colégios, estruturas que levaram centenas de anos para serem construídas, agora pertenciam a Dom José I.

No Brasil, muitos padres já tinham partido, para lugares mais variados da Europa. Alguns, porém, se recusaram partir, preferindo infiltrar-se mata adentro para viver em aldeias desconhecidas pelos colonos.

Na região litorânea fluminense, a Cia havia construído pelo menos três Fazendas, o chamado Colégio de Campos, a Fazenda Santana em Macaé e a Fazenda Campos Novos na região do Cabo Frio. Naquela época a Fazenda Campos Novos era um exímio imóvel rural, com uma vasta área de pastagens e plantações que se estendiam para além de onde os olhos pudessem alcançar. Ali viviam alguns padres que administravam o lugar e que contavam com aproximadamente 320 escravos em 1759.

A correria estava visível, todos perceberam que algo não estava certo, boatos corriam por todos os lados, alguns negros diziam que os padres seriam presos e enforcados, outros falavam que eles estavam partindo por causa do tal do apocalipse.

O Padre Antônio e o padre Albertino estavam nitidamente tensos, colocaram dois bornais de alças ao redor do corpo, chamaram dois escravos para segui-los. Um deles era Estevão, negro forte e confiável, casado com a cabra Carmelita, filho de Luara de Angola, negra que outrora fora reverenciada em todas as senzalas, por sua postura de liderança contra as injustiças e os açoites. Mas que agora achava-se cansada ao longo dos seus 50 anos, cujas marcas espalhadas por todo o corpo lhe davam uma aparência de ser ainda mais velha. O outro negro era Dezidério, mal visto pelos demais por considerá-lo um leva-e-traz.

Os negros munidos de pás e facões trataram de seguir os padres por uma trilha em direção ao oeste da Fazenda, caminharam por mais ou menos uma milha em baixo de um sol escaldante. Estevão e Dezidério trocavam olhares como se estivessem perguntando um ao outro o que estava acontecendo. Para onde iam? Fazer o quê? Por que os padres estavam tão apressados?

A trilha por qual seguiram inicialmente, deu em outra e mais outra, como se os padres estivessem tentando não deixar rastros. Após algumas horas de caminhada, os quatro homens chegaram a uma chapada numa área conhecida como Agrisa, os padres se sentaram sobre umas pedras à sombra de uma árvore e pediram que os negros começassem a cavar imediatamente um buraco com uns 70 cm de diâmetro e um metro de profundidade.

Sem pedir explicações Estevão e Dezidério passaram a perfurar o solo arenoso, Estevão olhava de canto de olho para o semblante dos padres, cuja aparência demostrava impaciência com ele e seu companheiro. O calor parecia ter aumentado, uma cobra de cores preta e amarela saiu de trás de uma pedras, o que significava mal agouro para os dois escravos. Antes mesmo de concluírem o buraco, o padre Albertino mandou que parassem, examinou o mesmo, virou-se para seu colega e disse que já estava bom.

Padre Antônio retirou de dentro de um dos bornais um papel, que mais parecia um documento, Estevão e Dezidério estavam curiosos, mas nada disseram. Em sequência o padre tirou do outro bornal uma estatueta de Ignácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus e profundamente reverenciado pelos párocos. A imagem deveria ter uns 35 cm de altura e era toda de ouro, mas não era maciça, havia um compartimento oco na parte dos pés até a metade do corpo do Santo. Os dois escravos estavam apavorados, muito se falava da existência de tal imagem, mas ela nunca fora vista por nenhum escravo antes, os padres a manteve bem escondida por muito tempo.

Padre Albertino finalmente revelara aos dois escravos o que se passava. Disse-lhes que o documento era a escritura das terras da Fazenda Campos Novos, assinada pelo Rei. Disse ainda que o que estava ocorrendo contra a Companhia era obra de Satanás, e que o Marquês era seu principal enviado. Por fim, pediu aos dois negros que mantivessem segredo absoluto e os fez jurar por Santo Inácio que jamais diriam qualquer coisa sobre o que aconteceu ali. Os padres colocaram o documento meticulosamente dobrado dentro da estatueta, em seguida, embrulharam-na em um pano de juta. Estevão que já se achava dentro do buraco pegou o embrulho e o assentou ao fundo, com auxilio de Dezidério saiu de dentro do buraco e logo começaram a cobri-lo de terra.

O sol já estava se pondo quando os quatro homens alcançaram a metade do caminho de volta, os dois padres diminuíram a velocidade das passadas permitindo que os dois escravos tomassem uma pequena dianteira deles. Estevão estava pensativo, algo não cheirava bem, os padres iriam simplesmente confiar neles? Ele se lembrara de ter visto outro volume na sacola do padre Antônio, o que seria? Por que enterrariam uma estatueta de ouro se iriam sair da colônia? Pretendiam eles voltar? Levariam os dois escravos com eles para o velho continente? Isso não seria possível, Estevão lembrou-se de ter ouvido o padre Albertino comentar que eles não poderiam levar nenhum bem consigo. Parecendo que Dezidério lia seus pensamentos Estevão olhou-o como que dissesse - o que foi? Os olhos brilhantes de seu companheiro projetaram para trás, viram padre Albertino enfiando uma de suas mãos dentro do bornal, tirando de lá uma garrucha de dois tiros. Certeiro, antes que os dois pudessem reagir o padre atirou-lhes pelas costas. Estevão caído olhou para o padre Albertino e viu o arrependimento em seu semblante, antes de cerrar os olhos viu o pároco benzendo-o com o sinal da cruz, sussurrando umas palavras em latim. Ainda conseguiu ver seu companheiro dar um último suspiro.

Os escravos companheiros de Estevão e Dezidério estranharam o fato deles não terem voltado com os párocos, alguns disseram que fugiram, mas os dois tinham famílias e não as abandonariam. Os padres não deram quaisquer explicações sobre o paradeiro dos dois, até porque saíram no dia seguinte pela madrugada.

A história do Santo Ignácio de ouro se difundiu entre os empregados da Fazenda Campos Novos e depois para toda a cercania. Duzentos e cinquenta anos depois, ainda há entre os moradores quem se lembre da história, sobretudo, entre os quilombolas da região ela continua a ser passada de pai para filho. Frequentemente visitantes perguntam se o ouro já foi encontrado.

Jonatas Carvalho é historiador e Pesquisador CNPq.

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