Nota: Em 1904 o Correio da Manhã iniciou uma série de matérias
intituladas “Subterraneos no Rio de
Janeiro”, os artigos faziam parte de várias pesquisas e escavações feitas
aos prédios históricos da Cidade, assim como das histórias de achados e
descobertas em outros municípios do Estado. O Dr. Rocha Leão que assinava as colunas com o
pseudônimo de Leo Junior era o autor dos textos.
Transcrevo aqui uma história sobre a Fazenda Campos Novos publicado em
28 de Março de 1904.
Jonatas Carvalho – Mestre em História – Pesquisador da Fazenda Campos Novos.
Subterraneos no Rio de Janeiro
Segredos de Santa cruz Itaguahy e Campos Novos - Uma fortuna enterrada no terreno.
Na Fazenda Campos Novos, havia no
terreiro, como quasi em todas as fazendas e engenhos, um mourão ou esteio com
argolas, onde se prendiam os animaes, ou para curar-se, ou quando eram de algum
individuo que chegava. Também servia para amarrar o infeliz escravo, que tinha
de ser açoitado.
De ordinário, esses páos eram
grossos, e, quando muito, da altura de um homem. O da Fazenda Campos Novos
tinha pelo menos dezoito palmos de altura e no cimo havia umas letras feitas a
fogo. Ninguem tinha reparado nisso durante
muitos annos.
Um dos filhos do novo dono da
casa, que andava estudando, notando isso perguntou ao pai a razão de ser esse
mourão tão alto, e conter letras feitas a fogo.
– Ora meu filho eu lá sei, os donos eram frades, talvez seja um sinal
particular.
– Eu vou examinar papae.
– Deixa-te disso, podes dar alguma queda.
– Eu ponho ali uma escada, mando o Sérgio primeiro subir e amarral-a,
depois subo e vejo o que é.
– Vê lá se vaes cahir.
O moço subiu e pôde ler o seguinte: DIA DE SÃO JOÃO
AO MEIO DIA, CABEÇA DE PÁU.
Desceu e foi mostrar ao pae a
copia a lapis do que estava aberto em letras de imprensa todas maiusculas.
– Isso meu filho, ou é algum enigma, ou ardil dos padres, para iludir
aos outros.
– Papae. Eu vou decifrar o enigma. Olhe veja a sombra do páu onde vai
ter. Vou tomar nota. Em dia de São João há de estar distante da de hoje não é?
– Decerto, respondeu o pai.
– Pois dia de São João eu hei de ver que direcção tem tal sombra.
Passaram-se dois mezes. Na ante-vespera de São João, o moço chegou
para passar a festa com a família e a primeira coisa que fez, depois de estar
com os seus e attender aos parentes e as pessoas de amisade, que iam passar
estas noites de fogueira e festejos, foi examinar a sombra do páu.
Estava ela um metro mais adeante.
– Bem, disse ele consigo. Amanhã São João hade permittir que eu decifre
este mistério.
No dia seguinte, depois do
almoço, o moço conduz escravos armados de enxadas e picaretas, esperou deante
da família e visitas que enchiam a varanda, pela primeira badalada do meio-dia
e assim que ella soou caíram as picaretas na terra dura, no logar em que a
cabeça do páu projetava sua sobre symbolica.
Trabalhou-se com ardor; às duas
horas haviam aberto uma cova de 12 palmos de fundo e seis de largo.
Começou a vir terra humida. Às tres
horas a picareta bateu em ferro.
– A picareta bateu em ferro. Gritou da cova um dos escravos.
– Cava com geito. O que primeiro apresentar um objeto de valor está forro e ganha uma gorjeta, disse o senhor moço. Quasi todas as pessoas que
estavam na varanda, vieram colocar-se em torno da cova.
A terra subia por cestos içados
por corda e moitão.
Meia hora depois gritaram os tres
escravos:
– Uma panella de ferro senhor moço!
– Tem tampo? Perguntou o moço com voz trêmula.
– Tem sim, senhor. Mas está soldada.
– Iça pra cá. Respondeu o moço.
Minutos depois o cesto, que
trazia a terra, trouxe uma panella de meio palmo de diâmetro e meio de alto, de
ferro fundido com tres pequenos pés.
– Coloca-a aqui. Diz o moço. Tem mais?
– Nós vemos mais tres. Responderam.
– Toca a cacal-as dahi; anda rapazes; si for ouro vocês estão todos
forros.
Os escravos cantavam dentro da
cova e as pessoas que rodeavam o moço estavam ansiosas por saber o que continha
a panella.
– Esperem meus caros, tenham paciencia,
eu esperei mais de dois mezes. Depois que na cova não houver mais nada, levamos tudo lá pra dentro e abriremos todas.
– Si fôr ouro, nhônhô, disse uma menina ao irmão, você tem que me dar
um piano.
– Dou-te tudo maninha.
A menina bateu palmas e disse:
Viva S. João, nhônhô vae dar-me um piano!
A’s 4 horas da tarde estavam fora
da cova seis panellas, quatro grandes e duas eguaes á primeira.
Retirando todo o ouro contido
nessas panellas, verificou-se que havia moédas de todas as especies: portuguezas,
onças espanholas, barras de ouro, e muitos brilhantes, grandes alguns, sem
serem lapidados, tudo no valor de seiscentos contos, dando o valor de quatro
mil réis á oitava de ouro.
– Papae, tome conta deste dinheiro. O que havemos de fazer delle?
– Meu filho, respondeu o pae, já que São João permittiu que achasse
essa fortuna, dir-te-ei que o ouro só tem um grande valor, quando nas mãos da
virtude: socorrer os infelizes.
– Papae, o que o senhor fizer está feito. A festa na Fazenda Campos
Novos, durou uma semana, e todos os hospedes tiveram seu presente, uma moeda,
outras mais outros menos.
O moço
formou-se em direito, casou menos velho e titular.
Por Leo Junior. Correio da Manhã, segunda-feira, 28 de Março de 1904.